quarta-feira, 3 de março de 2010


A Revolução Cubana hoje
Fruto de centenária luta por libertação da condição de colônia - da Espanha até o fim do século XIX e dos EUA na primeira metade do século XX -, a Revolução Cubana é essencialmente um processo de construção da nação.

O aprofundamento deste processo levou, já no início da década de 1960, à reforma agrária, à nacionalização de petroleiras e usinas de açúcar de capital estadunidense e à campanha massiva de alfabetização em que o povo cubano se libertou da "cultura do silêncio", como o educador pernambucano Paulo Freire se referia à situação em que o oprimido assume critérios e valores do opressor para se enxergar no mundo. Em resposta, o governo dos EUA impôs bloqueio econômico a Cuba que dura até hoje.

O caráter socialista da Revolução é, portanto, fruto da radicalização do sentido nacional-democrático que impulsiona a superação da dependência e do subdesenvolvimento em Cuba. E Fidel Castro, que anunciou em fevereiro deste ano que não mais aceitará mandato como presidente e comandante-em-chefe do país, é expressão singular deste meio século de resistência ao imperialismo e de contribuição à construção da civilização latino-americana.

Com pouco mais de onze milhões de habitantes e escassos recursos naturais disponíveis, Cuba conquistou, desde o triunfo revolucionário, em janeiro de 1959, níveis de universalização no acesso à educação, saúde e trabalho que nenhum país da América Latina – incluindo Brasil e México, as maiores economias industriais da região – ou da África conseguiu ainda. Assim como os resultados esportivos de Cuba nas Olimpíadas, o atual nível de vida da população só pode ser comparado ao dos países mais ricos do mundo, sobretudo na Europa.

O colapso da União Soviética, na última década do século passado, obrigou o governo cubano a adotar reformas econômicas emergenciais, uma vez que a URSS era o sustentáculo do Conselho de Assistência Econômica Mútua (Comecon), organização de cooperação que reunia os países do bloco socialista e promovia trocas comerciais a preços favoráveis. De 1989 a 1993, Cuba perdeu 80% do seu comércio exterior e 34% do Produto Interno Bruto. A produção de açúcar, então o principal produto de exportação, caiu de 8 milhões de toneladas para pouco mais de um milhão atualmente.

Foram implantadas medidas drásticas para racionalizar o uso de energia e derivados de petróleo e diversificar a produção agrícola, adotando métodos baseados na agroecologia e na recuperação do solo. Outras fontes de divisas foram buscadas no turismo, na biotecnologia (produção de remédios e vacinas) e na mineração de níquel, cuja produção saltou de 27 mil toneladas em 1993 para 100 mil este ano.

O governo abriu espaços limitados à iniciativa privada e ao trabalho por conta própria, além de permitir aos agricultores vender legalmente no mercado a produção que ultrapassasse as cotas estabelecidas. Áreas de fazendas estatais foram distribuídas a famílias que quisessem se mudar da cidade para o campo e se tornarem pequenos produtores, organizadas em cooperativas. Aquelas que permaneceram na cidade foram estimuladas a criar hortas em terraços, estacionamentos e jardins, num programa hoje difundido em diversos países latino-americanos e asiáticos.

Para facilitar a captação de divisas pelo turismo, em 1993 foram criadas lojas estatais que vendiam produtos de melhor qualidade em dólares. Isso criou o que os próprios cubanos denominaram de "economia dual", isto é, diferenciação entre os cubanos que continuavam a receber em moeda nacional daqueles que, trabalhando em atividades ligadas ao turismo, ganhavam em dólares e podiam usufruir de um padrão de consumo diferenciado.

Estas medidas emergenciais foram sendo parcialmente revertidas à medida que a recuperação econômica começou a mostrar seus efeitos, já no final da década de 1990. A Alternativa Bolivariana para os Povos das Américas (ALBA), iniciativa dos governos de Cuba e da Venezuela, e que hoje inclui ainda Bolívia, Equador e Nicarágua, também contribuiu para aliviar as dificuldades para a importação de combustíveis, ao promover a troca direta de petróleo venezuelano por trabalho de médicos cubanos nas favelas de Caracas.

Novas licenças para trabalho por conta própria deixaram de ser emitidas e tantas outras foram revogadas, resultando numa queda expressiva no número de trabalhadores nesta situação: de 200 mil em 1997, hoje são pouco mais de 120 mil. Somados aos cerca de 150 mil trabalhadores agrícolas autônomos, representam pouco mais de 6% da população economicamente ativa, 75% da qual continua empregada pelo Estado.

A principal reforma do governo cubano desde que as perspectivas da economia melhoraram foi no sentido de superar a dualidade econômica. Em 2004, as lojas estatais deixaram de aceitar moeda estrangeira e, embora a posse de dólares continue permitida, o governo criou uma taxa de 10% sobre o câmbio do dólar que não é aplicada a outras moedas, estimulando o uso do Euro no turismo e antecipando a intensa desvalorização da moeda estadunidense nos últimos anos.

Em continuidade ao processo de aperfeiçoamento da economia e já sob a presidência de Raul Castro, eleito sucessor de Fidel, o governo cubano anunciou em maio deste ano medidas para reformar o sistema salarial, eliminando o teto dos pagamentos e ampliando os prêmios por produtividade, vinculando os salários a metas de produção ou de qualidade na prestação de serviços.

Nos últimos anos, as taxas de crescimento da economia cubana têm sido das mais altas da América Latina e do mundo, devendo fechar 2008 com expansão acima de 5,5%, a despeito do bloqueio econômico que o governo dos EUA, à revelia das sucessivas condenações na ONU, segue mantendo contra o povo de Cuba.

A resistência ao imperialismo pela superação do subdesenvolvimento segue encontrando importantes lições no processo revolucionário de Cuba, que há quase 50 anos constrói uma alternativa política e econômica ao capitalismo liberal, fundando no socialismo os alicerces de uma nação soberana.

Nenhum comentário:

Postar um comentário