quinta-feira, 3 de junho de 2010

Entendendo Belo Monte...

Após uma batalha judicial que fez com que fosse suspenso por duas vezes, o leilão para decidir qual consórcio seria o responsável pela construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte foi finalmente realizado nesta terça-feira, com a vitória do grupo liderado por Queiroz Galvão e Companhia Hidroelétrica do São Francisco (Chesf).
Criticada por ambientalistas e representantes de movimentos sociais e encarada pelo governo Lula como projeto prioritário no setor de energia, a Usina Hidrelétrica de Belo Monte está no centro de uma polêmica.
Enquanto o governo afirma que a nova usina, que tem previsão para entrar em funcionamento em 2015, pode beneficiar 26 milhões de brasileiros, críticos argumentam que o impacto ambiental e social da instalação de Belo Monte foi subestimado e apontam para uma suposta ineficiência da hidrelétrica.
A BBC Brasil preparou uma série de perguntas e respostas que explicam a polêmica em relação à usina.
O que é a Usina Hidrelétrica de Belo Monte?
Com projeto para ser instalada na região conhecida como Volta Grande do Rio Xingu, no Pará, a Usina de Belo Monte deve ser a terceira maior do mundo em capacidade instalada, atrás apenas das usinas de Três Gargantas, na China, e da binacional Itaipu, na fronteira do Brasil com o Paraguai.
De acordo com o governo, a usina terá uma capacidade total instalada de 11.233 megawatts (MW), mas com uma garantia assegurada de geração de 4.571 MW, em média.
O custo total da obra deve ser de R$ 19 bilhões, o que torna o empreendimento o segundo mais custoso do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), atrás apenas do trem-bala entre São Paulo e Rio, orçado em R$ 34 bilhões.
A usina deve começar a operar em fevereiro de 2015, mas as obras devem ser finalizadas em 2019.
Qual a importância do projeto, segundo o governo?
Uma das grandes vantagens da usina de Belo Monte, de acordo com o governo, é o preço competitivo da energia produzida lá.
O consórcio Norte Energia venceu o pregão ao oferecer o preço de R$ 78 pelo megawatt-hora (MWh) produzido em Belo Monte, um deságio de 6,02% em relação ao teto que havia sido estabelecido pelo governo - que era de R$ 83 por MWh.
Segundo o presidente da estatal Empresa de Pesquisa Energética, Mauricio Tolmasquim, este teto do governo já representava pouco mais que a metade do preço da energia produzida em uma usina termelétrica, por exemplo, com a vantagem de ser uma fonte de energia renovável.
Além disso, a construção de Belo Monte deve gerar 18 mil empregos diretos e 23 mil indiretos e deve ajudar a suprir a demanda por energia do Brasil nos próximos anos, ao produzir eletricidade para suprir 26 milhões de pessoas com perfil de consumo elevado.
Quem são os grupos contrários à instalação de Belo Monte e o que eles argumentam?
Entre os grupos contrários à instalação de Belo Monte estão ambientalistas, membros da Igreja Católica, representantes de povos indígenas e ribeirinhos e analistas independentes.
Além disso, o Ministério Público Federal ajuizou uma série de ações contra a construção da usina, apontando supostas irregularidades.
Coordenador de um painel de especialistas críticos ao projeto, Francisco Hernandez, pesquisador do Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo, afirma que a instalação de Belo Monte provocaria uma interrupção do rio Xingu em um trecho de cerca de 100 km, o que reduziria de maneira significativa a vazão do rio.
"Isso causará uma redução drástica da oferta de água dessa região imensa, onde estão povos ribeirinhos, pescadores, duas terras indígenas, e dois municípios", diz Hernandez, que afirma que a instalação de Belo Monte também afetaria a fauna e a flora da região.
Além das questões ambientais, alguns críticos apontam que a usina de Belo Monte pode ser ineficiente em termos de produção de energia, devido às mudanças de vazão no rio Xingu ao longo do ano.
Segundo Francisco Hernandez, dependendo da estação do ano, a vazão do rio Xingu pode variar entre 800 metros cúbicos por segundo e 28 mil metros cúbicos por segundo, o que faria com que Belo Monte pudesse produzir apenas 39% da energia a que tem potencial por sua capacidade instalada.
Como o governo responde a essas críticas?
De acordo com o diretor de Licenciamento do Ibama, Pedro Bignelli, uma das condicionantes impostas na licença prévia para o empreendimento determina que seja mantida uma vazão mínima no rio.
Além disso, ele afirma que há projetos de preservação da fauna e flora e que as comunidades que forem diretamente afetadas serão transferidas para locais onde possam manter condições similares de vida. Ele também nega que as comunidades indígenas serão diretamente atingidas.
Já em relação à eficiência, o presidente da Empresa de Pesquisa Energética, Mauricio Tolmasquim, admite que Belo Monte não produzirá toda a energia que permitiria sua capacidade instalada, mas afirma que, mesmo assim, a tarifa será competitiva o bastante para justificar sua instalação.
Segundo ele, o motivo para a redução na produção de energia está nas modificações feitas no projeto para diminuir o impacto da usina na região.
Qual o histórico do projeto?
As prospecções a respeito do potencial de geração de energia da Bacia do Xingu começaram nos anos 1970, e, na década seguinte, havia a previsão da construção de seis usinas na região, entre elas Belo Monte.
Após protestos de líderes indígenas e de ambientalistas, o projeto de Belo Monte foi remodelado e reapresentado em 1994, com a previsão de redução da área represada, o que evitaria a inundação de terras indígenas.
Depois de uma série de idas e vindas, o Conselho Nacional de Política Energética definiu em 2008 que a usina de Belo Monte seria a única a explorar o potencial energético do Rio Xingu.
Em fevereiro de 2010, o Ibama concedeu a Licença Prévia para Belo Monte, impondo uma série de 40 condicionantes socioeconômicas e ambientais ao projeto.
No dia 20 de abril foi realizado um leilão para decidir qual grupo de empresas seria o responsável pela construção da usina, com a vitória do consórcio Norte Energia, liderado pela construtora Queiroz Galvão e pela Chesf.
Como foi o leilão?
O governo havia estabelecido que o vencedor do pregão seria o grupo que oferecesse o menor preço para a produção do megawatt-hora (MWh) de energia em Belo Monte, respeitando-se o teto estabelecido de R$ 83 por MWh.
O preço oferecido pelo grupo vencedor foi de $ 78 pelo megawatt-hora (MWh), um deságio de 6,02% em relação ao teto que havia sido estabelecido.
Já o valor oferecido pelo consórcio derrotado, que era formado por seis empresas e liderado pela construtora Andrade Gutierrez, não foi divulgado.
De acordo com a Aneel, o leilão durou aproximadamente sete minutos, sendo realizado apenas após a cassação de uma liminar da Justiça Federal do Pará que havia determinado sua suspensão.
Até a semana passada, apenas o consórcio liderado pela Andrade Gutierrez estava oficialmente no páreo, após a desistência do grupo encabeçado por Camargo Corrêa e Odebrecht, no início de abril.
A desistência acendeu a luz amarela no governo, que lançou um pacote de medidas para estimular a participação privada no leilão, entre elas, um desconto de 75% no imposto de renda da usina nos primeiro dez anos de operação, além da ampliação para 30 anos do prazo para o financiamento pelo BNDES, que pode financiar até 80% da obra.
Além disso, os dois consórcios contam com participações bastante relevantes de empresas estatais.
*Colaborou Paulo Cabral, da BBC em Brasília

quarta-feira, 28 de abril de 2010


Minorias e equidade

 
Tecnicamente, as minorias são compostas por aqueles que não representam a maioria em um sistema social ou político. Diversos e variados grupos sociais minoritários se definem a partir de sua identidade étnica, regional, sexual, política ou religiosa. Não apenas uma identidade positiva, compartilhada por seus membros, define a minoria: em geral, os interesses, valores ou necessidades desses grupos não coincidem com os correlatos para a maioria dos membros da sociedade, o que gera a busca de espaço e preservação de identidade, por parte desses grupos. Assim, alguns religiosos podem defender seu direito de guardar um determinado dia da semana ou de exercitar determinado ritual, mulheres requerem salários iguais aos homens em posições semelhantes e índios desejam a demarcação de suas terras, a despeito de não representar, isso, uma necessidade ou uma norma válida para a maioria dos membros da sociedade. Minorias, em geral, são pensadas como tendo uma permanência ou um longo tempo de vida na sociedade; seu estabelecimento ou a institucionalização dos meios de integração do grupo no conjunto da sociedade dão reconhecimento aos grupos minoritários.
Em geral, é a própria discriminação ou segregação que aglutina as minorias, dando-lhes identidade: marcando suas necessidades, um tipo de merecimento ou de tratamento diferenciado em relação à maioria, assim se definem. Dessa oposição surge a importância das minorias de se organizarem: apenas estabelecendo suas posições politicamente é que uma minoria deixa de ser excluída ou minimiza o impacto dos conflitos existentes entre seus interesses e os dominantes, em relação aos quais os grupos minoritários necessitam, em geral, de proteção legal que assegure que seus pontos de vista sejam considerados no cotidiano e representados nos parlamentos - esse último, tema sempre presente nas discussões sobre eleições ou reformas eleitorais.
Vale reforçar o sentido específico das minorias sociais, que não é estritamente aritmético: as mulheres podem ser maioria estatisticamente num país, mas constituírem uma minoria nesse sentido que apresentamos. Os palestinos, da mesma forma, são maioria numérica na Cisjordânia, mas constituem minoria religiosa diante do Estado de Israel, que reclama o território. Por outro lado, coincide aritmeticamente a minoria de imigrantes africanos na Europa continental, que enseja calorosas discussões sobre a percepção de políticas sociais do Estado, tais como auxílio-desemprego ou assistência à saúde, por exemplo, em concorrência com os cidadãos franceses ou italianos.
Organizadas, as minorias reivindicam justiça e contestam determinadas regras por serem delas excluídas e, na defesa dos seus interesses, movimentam a sociedade em torno de novos padrões de direitos e de sociabilidade. Os movimentos sociais são expressões de causas das minorias (homossexuais, de mulheres, de imigrantes, etc.), e dão um sentido particular às noções de cidadania e de democracia.
Isso nos leva à questão da equidade. E, para falarmos em equidade, precisamos relembrar uma doutrina social antiga, porém também atual, controversa e polêmica: a do “igualitarismo”, porque, em sentido mais simples, a equidade equivale à igualdade de direitos e privilégios para todos os cidadãos de um Estado, no que ela se confunde ainda com o princípio da “isonomia”.
No entanto, há interpretações conflitantes sobre o que significa a “igualdade”, na prática. Duas grandes correntes podem ser identificadas nesse sentido: a primeira afirma que o igualitarismo significa que todos os direitos políticos de todos os adultos devem ser os mesmos; a produção dessa igualdade estaria relacionada ao acesso à política, ao sufrágio e à igualdade perante a lei, sem a utilização de critérios étnicos, religiosos, sexuais ou sociais de quaisquer outros tipos. Em relação à proteção legal, “todos os homens são iguais perante a lei” é um bordão que está presente na Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada por Resolução da ONU em 1948, e que foi adaptado em vários textos constitucionais nacionais.Note que a garantia desse tipo de igualdade exige, no mínimo, um sistema legal que tenha regras processuais claras e que permita a oitiva dos réus no julgamento de direitos. De difícil alcance na prática, a igualdade formal que essa abordagem propõe significa pouco em contextos de desigualdades marcantes em aspectos tais como educação, renda, etc.
Em segundo lugar, temos a definição de igualitarismo em termos de “igualdade de oportunidades”, o que significa que, a despeito da situação socioeconômica na qual alguém nasce, ele terá as mesmas chances de qualquer outro de desenvolver suas habilidades e de adquirir qualificações que lhe serão úteis, especialmente, na conquista de um bom emprego. Isso requer, definitivamente, um sistema público de bem-estar social e educacional, que proveja aos menos favorecidos as condições básicas de competição com aqueles de background mais favorável. A mais básica das igualdades, a “de oportunidades”, se aproxima da justiça social, pois prega que o Estado deve prover oportunidades livres de vieses ou condicionantes relacionados a características individuais. Na prática, infelizmente, nenhum Estado contemporâneo pode afirmar ter alcançado esse objetivo, embora a maioria diga persegui-lo. A ideia de discriminação positiva, ou “ação afirmativa”, segundo a qual àqueles sabidamente com menores chances e prestígio no passado sejam dadas chances “extra” no presente, surgiu nos EUA como uma forma de compensação à injustiça social; tema polêmico, questiona-se se os efeitos dessas políticas são de fato compensatórios, se apenas amenizam um problema moral das sociedades, ou se, inversamente, criam uma nova forma de desigualdade ou preconceito.
O fato é que a noção de “equidade” se relaciona mais proximamente com essa ideia de justiça social do que com o conceito geral de igualdade, que é comumente apresentado como seu sinônimo.
O Direito moderno utiliza uma forma de aplicação das leis que consiste em aplicar a casos semelhantes uma orientação uniforme e construída pela história e pela jurisprudência. Equidade, para o Direito, é uma tentativa de adaptação das normas legais com vistas a potencializar a justiça das leis, conforme os casos concretos que se apresentam. Em outras palavras, a equidade corresponde ao tratamento desigual, perante o Estado, de indivíduos ou grupos ou situações desiguais.
VEJA ALGUNS DOS DIREITOS HUMANOS ELABORADOS NA RESOLUÇÃO DA ONU DE 1948 E ABSORVIDOS PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA DE 1988:
Declaração Universal dos Direitos Humanos - Art. 1.º: Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.
CF/88 - Art. 5.º: Todos são iguais perante a lei, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…)
Declaração Universal dos Direitos Humanos - Art. 2.º: Todo homem tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidas nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.
CF/88 - Art. 5.º: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
- homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;
II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
- é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
VII - é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva;
VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
- são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;
(…)
Declaração Universal dos Direitos Humanos - Art. 11: Todo homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias a sua defesa. Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que no momento, não constituíam delito perante o direito nacional ou internacional. Também não será imposta pena mais forte do que aquela que, no momento da prática, era aplicável ao ato delituoso.
CF/88 - Art. 5.º: XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal; XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu
Declaração Universal dos Direitos Humanos - Art. 13: Todo homem tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro das fronteiras de cada Estado. Todo homem tem direito de deixar qualquer país, inclusive o próprio, e a este regressar.
CF/88 - Art. 5.º: XV - é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;
Art. 14: Todo homem, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e gozar de asilo em outros países. Este direito não pode ser invocado em caso de perseguição legitimamente motivada por crimes de direito comum ou atos contrários aos objetivos e princípios das Nações Unidas.
Declaração Universal dos Direitos Humanos - Art. 15: Todo homem tem direito a uma nacionalidade. Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade.
CF/88 - Art. 12: São brasileiros:
- natos: (…)
II - naturalizados: (…)
§ 2.º A lei não poderá estabelecer distinção entre brasileiros natos e naturalizados, salvo nos casos previstos nesta Constituição.